Bonés de Crochê: Instrumento de beleza e de subversão


    Os bonés de Crochê são frequentemente usados na cena de São Paulo, e contemplam uma vasta gama de quebradas, sendo usados por grande parte da rapaziada das periferias. Os bonés de crochê desenvolvidos em meados dos anos 90 nunca deixaram de cair no gosto popular, tornando-se um elemento estético e político.

     Em um contexto de crise econômica no Brasil (que afetou de forma bruta os moradores das periferias) e o crescimento gradual da população carcerária, nos anos 90, os homens que foram privados de liberdade em presídios passaram a desenvolver e a comercializar as peças de crochê como forma de prestígio e sustento. Os bonés eram recheados de referências externas e internas às realidades dos artistas “marginais”, que colocavam os nomes de suas quebradas, símbolos (como o Tony & Countryou ou o Cifrão), desenhos como Irmãos Metralha ou Tio Patinhas e até mesmo marcas que são referência nas periferias.

Inclusive, por conta dessa origem controversa em espaços de privação de liberdade (presídios/prisões), os bonés são marginalizados e associados à criminalidade. O boné é muitas vezes visto como “boné de cadeia”

Para João (@the_joao999), Stylist¸ diretor e fotógrafo: “A criatividade deixa o boné e as camisetas ainda mais chave, entre combinações de cores e símbolos os kit vão se formando e os moleque da quebrada vão ficando cada vez mais chave”

Externalizando ideias, conceitos e identidades, os bonés de crochê são frequentemente usados pelo público funkeiro, e fazem parte da picadilha daqueles que os usam. Da rapaziada do funk, vale destacar alguns nomes como: MC Kauan, MC Neguinho BDP e Kayblack. Além da cena do Funk, artistas e apreciadores de outros gêneros musicais e expressões artísticas também usam, mas no funk, a bombeta de crochê (boné) é predominante.

MC Kaun

  Para Fernanda Souza, Jornalista, Stylist e Podcaster: “Propomos a valorização e a relevância da moda produzida nas periferias, pois é um item de artesanato que hoje divide espaço com grifes e marcas famosas”

  Aos vermos o que compõe o kit da rapaziada, os bonés de crochê são elementos estéticos que estão lado a lado com grandes grifes, como Lacoste, Mizuno, Nike e etc. (como ressalta Fernanda - @correrua_), o que significa dizer que o que é produzido na margem, está junto com marcas direcionadas ao público do centro, e é ressignificado pela periferia. A reafirmação enquanto sujeito periférico e ressignificação de roupagens é forte, já que essas peças fazem sucesso nas periferias paulistas.

           O crochê representa não só uma fonte de renda (já que é o corre que muitos artistas fazem para conseguirem uma moeda), mas também uma tradição, posto que muitos dos artistas que fazem os bonés, aprenderam com seus familiares (geralmente a mãe ou a avó) a desenvolver as produções com crochê. Inclusive, há grupos nas redes sociais e coletivos nas quebradas onde os artistas trocam gráficos e ensinam técnicas para lidar com o crochê.

Os bonés foram se transformando ao longo do tempo e ganhando novos significados com cada geração, e deve ser valorizado também como uma vestimenta, que dá a cara da quebrada e favorece a formação de identidade visual, favorecendo a formação de identidade visual e social.

Os bonés de crochê são geralmente associados à criminalidade, assim quem os usa torna-se potenciais vítimas das ações truculentas da polícia racista do Estado Brasileiro. Em meu texto busco mostrar o quão potente é essa produção, que é realizada e difundida pela maioria da população negra das periferias de São Paulo. Fazendo uso de um elemento estético que surgiu nas penitenciarias e caiu no gosto popular, os jovens das periferias de São Paulo ressignificaram de forma potente a moda.

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AGRADEÇO A RAPAZIADA QUE FORTALECEU NESSE TRAMPO

I-  Fernanda Souza. Editorial: “Crochê de Quebrada”, 2021

Fotografia: Marcos Vinicius (@atemporalboy)

Direção Criativa/Styling: @samirbertoli @neguinhodefavela16 @correrua_

Modelos: @phavellado; @kaique__24k; @tobiasss02; @mcpeaa.

II- The João. Favela Life – EP 1 Quebrada Chique, 2021 (@the_joao999).

III- MSCs:

MC Kauan;

Kayblack;

MC Neguinho BDP.

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