MEDLEYS: O Funk como intelectualidade periférica.
Produção orgânica de Política no Funk
Geral já sabe que a periferia produz e consome diversos gêneros musicais, dentre eles, o funk e suas vertentes. Com narrativas do cotidiano, desejos, denúncias e até lazer, os funks são grandes potenciais de produção de consciência política e social. Aqui vamos trocar uma ideia acerca do que é chamado popularmente de “Medley”, funks feitos na rua mesmo, sem equipamento de som, apenas com a mão (palminha) e com a força da voz dos MCs.
E antes de dar opção, cês veio com mó repressão
E agora nóis tomou de volta o Lazer e educação
E o clima hostil a todo estante, então é sem roda gigante, o bonde não tem parasita, nóis só quer os peixe grande
Na madruga nóis tacou, e hoje é bololo, cinco maluco forte armado a goma do governador
E cala a boca e vai pro chão, cê tenta uma reação, se tu acha que é o fortão, seu destino é o caixão
E na fuga de a milhão, tô de XT na contramão, Hilucão na contenção, trazendo os nossos milhão
E amanhã passa na tela tipo cena de novela, o dinheiro do boyzão sendo gastado na favela
E amanhã passa na tela tipo cena de novela, o dinheiro do boyzão sendo gastado na favela
(Medley Niver Gh Magrão - Rn Do Capão , Lukinhas SA , Jamal , Menor Malta , Malaquias e Joaopp, 2021).
Com esse verso, o MC Menor Malta (@mc_menor_u_malta), cria do Jardim Olinda, Zona Sul de São Paulo, destaca parte da revolta popular para com o sistema. Acentuando coisas que deveriam ser direitos, mas que são retiradas e negadas para pessoas como nós, pertencentes à margem: “E antes de dar opção, cês veio com mó repressão / E agora nóis tomou de volta o Lazer e educação”. Ouso dizer que há um potencial revolucionário forte nesse som do MC Menor Malta, haja vista que ele direciona sua revolta e aponta para as desigualdades que são evidentes nas periferias do Brasil.
Já em um som do MC GH Magrão, ele direciona sua revolta contra o Estado de forma direta e bem elaborada.
Mas esses dias eu vi, o filho, foi do Bolsonaro tá de Jet-ski , andando de moto e carro
Esses dias eu vi, o safado do Bolsonaro tá de jetsky andando de moto e carro
E foi pra outro país, embaixador é o caralho
Olha isso aí, nepotismo escancarado
E se eu falo assim, é porque nóis tem estudado pra evoluir
Conforme fiquei revoltado
E o seu chupeta na quebrada tem me enquadrado
(Terror do Mourão - Mc Kaverinha, Mc Rn do Capão, Neguinho Bdp, Gh Magrão, Neguin da BRC, Menor CG).
Os Medleys são tão literatura quanto outras produções, como Dom Casmurro de Machado de Assis, O triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto e entre outros, mas são produção não vistas como intelectualizadas pela academia e por outras partes da sociedade(o que se mostra falso, já que possuem críticas bem construídas, rimas bem elaboradas e de forma totalmente autônoma). Nos Medleys vemos não só essas críticas, mas também relatos de lazer, momentos cotidianos e etc.
Uma série de elementos da literatura são aplicados no funk, como metáfora, variação linguística, escrevivência (Conceição Evaristo), etc. Imaginem se as escolas brasileiras usassem e valorizassem a realidade das periferias para ensinar, usando o Funk e o Rap como material de aprendizado.
A questão é que não só os Medleys, mas várias outras vertentes do Funk conduzem para essa politização em relação à realidade. É possível notar essa mesma produção orgânica em outras vertentes. Basta ouvir 180 que é composta por MC Hariel, MC Dricka e etc, 2020 do MC Hariel ou Hit do Ano.
Para além de análises do campo político, os Medleys também relatam o cotidiano das favelas. Pega a visão desse som do Mc Iguinho da Capital:
O dia que um dos drake perde pra spin
Vai vira mochilinha pra dá uma refletida
Pra prender os bode só se for parado
Ou no desacerto acabar a gasolina
(Dona Cecília 3 (Medley de Rua). Mc Iguinho da Capital. DJ RF3)
Aqui o autor aponta uma situação, onde se um dos pilotos tiver a moto perdida para a polícia, ele passará a ficar na garupa, para “dar uma refletida”. Demonstrando não só o seu potencial analítico, MC Iguinho da Capital transforma a língua portuguesa ao descrever situações.
Os Medleys são a porta de entrada para vários MCs, que começam cantando nas ruas, com poucos recursos ou nenhum, apenas com um celular para conseguir gravar. O grande MC Kevin, o MC IG ou até o MC RN do Capão começaram gravando Medleys, e graças a suas líricas e o reconhecimento recebido com o tempo, tornaram-se grandes nomes do funk paulista. Seja gravado na rua, com celular ou em gravadoras, os medleys fazem parte da identidade musical da cena de São Paulo, sendo produzidos e referenciados constantemente. Apesar de serem produções extremamente criminalizadas, os medleys são elementos autênticos das periferias paulistas, e mesmo não sendo reconhecidos pela academia brasileira, os medleys estão carregados de intelectualidade.
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